domingo, 12 de abril de 2015

A relação entre Michelle Cunha, Oficina de graffiti e a minha possibilidade de experimentação

Essa postagem, inicialmente tem como objetivo trazer de forma simples a minha relação com a arte, justificando de certa forma o giro de 180 graus quando comparado o meu Trabalho de Conclusão de Curso na graduação em Serviço Social com o meu projeto para a seleção de mestrado em Antropologia.
Faltando um pouco mais de uma semana para o encerramento das inscrições do mestrado em Antropologia da UFPA, tive um insight a respeito da possibilidade de acompanhar com mais proximidade as atividades das meninas do graffiti, então: por que não incluir a experimentação no meu projeto?
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Minha vida sempre foi muito próxima do artesanato e artes visuais no geral, principalmente pelo fato de ser filha de uma artesã muito talentosa que perpassou por diversas formas de arte durante sua vida atrelado ao dom da costura. Então, a minha criatividade circundava as artes de modo geral, seja fazendo roupa de boneca, seja passando tardes e tardes desenhando. Acho que a grande influência também veio do colégio que frequentei logo nos primeiros anos de escola que foi o Liceu de Artes e Ofícios. Lembro que eles incentivavam muito expressividade através de desenhos e outras formas de expressão artística.

Mais ou menos em 2011 fiz alguns experimentos que me fez lembrar o quanto eu gostava de desenhar. Comecei a fazer alguns desenhos tremidos no Paint, que inclusive são de péssima qualidade. E o momento que marcou esse retorno ao desenho foi um retrato feito a caneta Bic preta do rosto do meu namorado. E aí, percebi que ainda tinha o que praticar e que poderia um dia ficar bom. Esse momento ainda não chegou, mas a prática pode um dia trazer uma melhor forma de expressar o que sinto, o que importa para mim e o que eu quero passar para as outras pessoas (ou não). 

 


Enfim, essa rápida retrospectiva foi para mostrar que a experimentação não surgiu no meu projeto à toa, que existia uma história pessoal que envolvia a vontade em aprender novas possibilidades de desenhos e pintura, que é o caso do graffiti, atrelada a necessidade de me aproximar com mais afinco da temática e dos meus interlocutorxs.
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Retomando ao projeto... a experimentação foi incluída no projeto a partir do meu contato com a Michelle Cunha – artista plástica e grafiteira –, por meio da indicação de um colega. Aproveitei a oportunidade do Projeto Circular para conhecer o ateliê e a referida artista. Foi uma aproximação tímida, mas tive a chance de falar com Michelle e expor a possibilidade em pesquisar sobre o graffiti feminino paraense, o que a agradou bastante deixando-se a disposição para possíveis entrevistas.

Na mesma época, ao acompanhar suas postagens em uma rede social, deparei-me com a seguinte postagem: “Vou começar a oferecer aulas de graça de pintura na rua só para mulheres que querem aprender a grafitar. Basta trazer seu material e ajudar a descolar o muro. Quem pilha?”, a postagem ‘caiu como uma luva’ para a proposta do projeto, que até então se resumia a acompanhar as grafiteiras em mutirões ou em qualquer programação de graffiti que houvesse quando as envolvessem. Com essa proposta inicial seria com certeza mais complicada, a oficina surgiu para me aproximar dessas programações que acontecem no cenário da arte de rua.

A postagem foi um sucesso e muitas meninas demonstraram interesse. Logo a proposta começou a tomar corpo, acrescentando taxa para o material, conteúdos programados para cada aula, um evento na rede social e muita disputa por vagas, tendo em vista que ela disponibilizou apenas 15.

E o que motivou Michelle Cunha a criar uma oficina só para mulheres? Essa questão no decorrer da oficina e pós-oficina foi respondida diversas vezes. O principal motivo foi um evento de graffiti realizado em Belém, era um encontro nacional de graffiti paraense, no qual grafiteirxs de outros estados foram convidados e alguns grafiteirxs locais também participaram. Porém, o que intrigou a artista foi que o evento não dava oportunidade de inscrição ou uma possível seleção dos artistas locais democratizando desta forma a participação de grafiteirxs no evento. Com isso, Michelle pensou “não preciso de homem nenhum para legitimar nossa cena, não preciso de grafiteiro para dizer onde eu devo pintar ou não...” percebeu então, que era preciso movimentar o graffiti feminino local incentivando novas meninas a se aventurarem na arte de rua.

A oficina foi um misto de conhecimentos teóricos e práticos. As meninas inscritas possuem formação no ensino superior (em diversas áreas do conhecimento) ou estão cursando, algumas ainda no ensino médio. Boa parte delas simpatizam por Rap e frequentam a Batalha da Doroty Stang. Como ponto intercessor entres elas estavam o gosto pelo desenho. É importante dizer que das 15 inscritas poucas não participaram da oficina e outras apesar de participarem de alguns dias não frequentaram a oficina por completo.

Foto by Michelle Cunha - Oficina de Graffiti
Durante as aulas tivemos a oportunidade de manusear pela primeira vez a lata de spray, exercitando os traços em compensados, nos adaptando ao cheiro forte e as cores que ficam nos dedos. E na última aula prática da oficina, momento este anterior a culminância do curso que seria um mutirão de graffiti, fomos ao primeiro rolê. Em seguida, mostro algumas fotos e percepções das meninas neste dia: 

Foto By Luana ( Karina, Walquiria, Eu, Camila, Ester e Michelle)


Foto by: Michelle Cunha – Luana em ação 


Luana ao relatar o que sentiu neste primeiro rolê disse que ficou muito feliz ao ter nos encontrado, porque neste dia ela não participou da oficina, mas combinou que tentaria nos achar pelas ruas mesmo sem saber qual seria o muro. Ao nos encontrar ficou muito feliz, porém inicialmente ficou sem graça por não ter preparado nada (stencil, levado material), e ficou muito animada em receber o incentivo do grupo para escrever uma frase “vai pega, manda uma frase”, “porque sempre que vou fazer algo com material assim que não é meu, fico cheia de medo de 'ai, estou desperdiçando, não sei fazer isso, estou estragando’ sabe? Mas eu enfrentei isso porque vocês me incentivaram”. Luana pertence ao grupo Vacas Profanas e desenvolveu a característica no graffiti de escrever frases feministas, símbolos e personagens femininos (veremos nas próximas postagens).




Foto by: Michelle Cunha – Ester (conhecida como Bisteka)
Ester ao falar sobre o primeiro rolê, disse que ficou nervosa principalmente porque o muro não era autorizado. Se sentiu nervosa “de alguém mandar a gente parar”. Ester é formada em Biblioteconomia pela UFPA e tem sua história pessoal muito próxima do graffiti. 


                                                   Foto by: Michelle Cunha – Karina (conhecida como Ka)



A sensação da Karina, por exemplo (uma das alunas da oficina), foi de “chegar no local e fazer”, não se sentiu nervosa em intervir em um lugar público e de certa forma numa parede “não autorizada”, “eu achava que seria sempre tranquilo. Eu senti muita tranquilidade, só isso que lembro. Eu queria interagir com tudo!”.

Foto by Michelle Cunha - Gato/stencil/Petit; Coruja/Spray/Michelle; Caveira/ spray+stencil/Bisteka


Aproveito para dizer que este rolê não foi invisível para os transeuntes que demonstraram o seu espanto em se deparar com um grupo de meninas intervindo em uma parede em plena luz do dia. Muitos ao passarem de carros gritavam: “deixem de pixar, suas pixadoras!!”.

Não peguei o relato de todas as meninas que participaram do rolê, mas já deu para perceber que as sensações foram muitas e variadas. Naquele primeiro vandal de maneira não planejada foram traçados caminhos que perdurariam em momentos posteriores, como: as caveiras da Ester, que se tornariam sua identidade nas ruas; as borboletas que ao mesmo tempo lembra a letra “K” que também seria uma marca reconhecida da Karina como bomb; as frases da Luana sempre libertadoras nos muros da cidade; até mesmo o meu primeiro personagem que posteriormente seria desenvolvido na forma de um gato; a Camila que apesar de ter feito nesse primeiro momento um gato (como é mostrado na foto), posteriormente veremos que ela criou outro personagem e assim em diante. Defino esse primeiro momento como revelador artisticamente falando.

  Se você me perguntar como foi esse primeiro rolê? Eu respondo: sensacional!! Nunca havia sentido nada parecido antes, uma sensação de liberdade, transgressão, empoderamento, saí com o peito inflado...querendo dominar o mundo. Tais sentimentos foram inesperados, não imaginava que fosse ocorrer e muito menos que o graffiti fosse capaz de tanta transformação. Ingenuidade a minha. E isso foi só o começo!!

Como vocês devem ter percebido o texto ficou enorme (espero que não tenha ficado cansativo), mas foi tudo para respeitar as palavras chaves que prometi na última postagem. Diante disso, vou escolher poucas palavras desta vez para não deixar o blog enfadonho. Além disso, farei um glossário com as palavras “nativas” esclarecendo alguns termos usados.

Palavras chaves:  Primeiro mutirão; CDP.

Glossário:

  • Rolê - Procurar muro autorizado ou não.
  • Stencil – é uma técnica de aplicação de ilustração em qualquer superfície por meio de perfurações em papelão ou outro material semelhante, como as chapas médicas.
  • Vandal - Grafitar ou pixar em muros não autorizados.
  • Bomb – graffiti rápido, feito geralmente a noite (mas existem exceções) e em sua maioria não são autorizados.